5.12.10

Novos Tempos

     Trancado no bannheiro quinze para meia-noite, escrevendo qualquer coisa, ultimamente estou escrevendo qualquer coisa e, mesmo sabendo que não estou escrevendo porra nenhuma, estou no banheiro e são quinze para meia-noite.
      Estranhamente não estou bêbado nem chapado, alguma coisa aconteceu e sem que eu percebesse havia vencido o prazo de validade daquele modelo de vida que eu vinha vivendo, não me haviam informado mas não restava nada dos meus projetos anteriores, eu precisava me levantar, me jogar de volta para dentro da minha vida e continuar do ponto de onde havia parado, nem sei por quanto tempo, pelo que me lembro, eu costumava a pensar e a produzir coisas que me fossem úteis.
     Dois mil e dez passou por mim feito os sacos de lixo do Bom Retiro em dia de chuva: fedendo e seguindo o curso das águas, diz um amigo meu que piadas, mulheres e metáforas não se explicam, então melhor não dizer mais nada.

      Posso dizer que, se não cheguei a lugar algum, pelo menos não retrocedi, e, olhando tudo com um pouco mais de calma, noto que consegui reatar os laços com a arte da palavra grafada, coisa que eu julgava perdida há tempos.
      Hoje participei de uma pequena epopéia pelas ruas da cidade, saí de Santana com destino à Pirajussara de transporte público, um rolê tão extenso, englobando trem, metrô e ônibus que só de pensar em descrever já me sinto fatigado. Montado na minha cacunda ia o Davi, de quem já falei em algum outro texto, o miserável pesa tanto que conforme eu caminhava podia sentir na minha coluna o efeito do choque de duas placas tectônicas colidindo, e o Exu encarapinhado vinha lépido e contente cacarejando musiquinhas de final de ano que ele aprendeu na escola, vinha feliz o miserável gritando com a voz do Pato Donald coisas sem sentido.
     Peguei um metrô de Santana até a Luz e de lá um trem até a estação Presidente Altino, uma antes de Osasco, para chegar até o terminal do Santo Amaro e de lá um metrô até o Campo Limpo onde peguei um ônibus que me deixou na porta do hospital. Fazia um calor desconcertante, estava sedento por uma cerveja mas não bebi; geralmente quando saio com alguma criança evito alguns hábitos, deixo de lado o cigarro, a bebida e os palavrões, penso que já que me pagam pra fazer algum trabalho, que pelo menos eu tenha a dignidade de fazer o barato bem feito, não bebi, mas que sentia vontade sentia.
     Chegando ao consultório o menino deveria mostrar à ortopedista que lhe operou que já tinha um bom desenvolvimento clínico, até mesmo para receber uma alta, mas o miserável estava em um de seus melhores dias, mancou, se jogou no chão, chorou e disse que sentia dores, todo um teatro que todos conhecemos muito bem, mas que comove as pessoas, como a doutora não é diferente, resolveu que ele deveria permanecer em observação por mais seis meses, afinal ela não atravessou a cidade com aquele diabinho nos braços e nas costas cacarejando sem parar com a voz do Pato Donald, enfim, tudo aquilo.
     O filho da puta que disse que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no tempo e no espaço nunca precisou pegar um trem em Osasco as cinco da tarde, fui praticamente sodomizado dentro daquele vagão tentando preservar o menino, que adivinhem, ria, ria as gargalhadas ao me ver sendo espancado pela multidão para garantir que ele permanecesse ileso e sentadinho em seu acento preferencial.
     Fim do dia, tudo certo, aquela breja na esquina antes de voltar para casa, a sensação do dever cumprido, e a certeza de que, se não andei para frente, pelo menos não retrocedi, é hora de dormir, estou moído, além disso, estou trancado no banheiro e já é meia-noite.

Um comentário:

Andréia Medrado disse...

É, Baby.... além do que foi citado por teu amigo, devem haver mais coisas que não podem ser explicadas....

Bom texto.... Parabéns!