31.12.10

     São 23:30h quando me levanto, me visto e resolvo sair, estou precisando caminhar, uma inesperada pausa no trabalho me pegou sem que me planejasse, por isso, tenho muitos dias de ócio mas não disponho de praticamente nenhuma grana, minhas costas doem porque tenho passado a maior parte do meu tempo deitado.
     Caminho por uma rua compida, estreita e sinuosa, a Banco das Palmas é uma rua sem muitas coisas para se ver, chego rápido até a próxima rua, a Salete, de um lado, uma escadaria que vai levar a uma outra rua, do outro; posso ver avenida não muito distante, há pichações por toda parte, muros, paredes e janelas tomadas por letras incompreensíveis, ideogramas urbanos. Afinal, é isso o progresso, uma sociedade que cria gerações inteiras de pessoas que só sabem se expressar por meio da destruição, multidões que precisam depredar para comunicar.
     E dizem que a tipografia da pichação é apenas vandalismo, pelo que me consta, o expressionismo alemão não era uma vanguarda interessada na contemplação do belo, a arte, pelos menos para mim, tem que ferir, tem que incomodar, feito ferida, uma crise de gastrite, me lembro de um amigo me dizer que para ele a arte era apenas mais uma linguagem...A forma como apreendemos a realidade é apenas uma dentre tantas possibilidades, prova disso é que não precisamos buscar muito e logo nos vem a mente vários exemplos de significados distintos para um mesmo símbolo de acordo com a cultura dos povos, signos, tudo está resumido a signos e interpretação, o velho Don Juan é que sabia das coisas...
     O terminal de ônibus de Santana é para onde me dirijo, aquele lugar é um caleidoscópio humano, milhares de possibilidades, uma gama quase infinita de variações, gente de todos os lados, caracteres díspares de códigos insociáveis convivendo espremido pelos paredões de concreto; indo e vindo no espaço indissociável da idéia de transição, transposicação de A para D com paradas em B e C "um café preto de conquenta centavos por favor", meu sotaque me cagueta, sou notado sob nova perspectiva, mais um que veio de longe para arrastar sua vida pelas calçadas encardidas da Babilônia.
     Não tem muito tempo isso aqui era repleto de vendedores ambulantes, hoje tá tomado pela polícia, na Leite de Morais só tem camelôs nas primeiras horas do dia, agora eles anunciam suas mercadorias ao pé do ouvido dos transeuntes, como alguma indecência, um convite sacana de uma puta que não pudesse ser ouvido por todos "cds, programas, jogos e dvds" soa como alguma ofensa moral, é isso o progresso...
     Para o próximo ano estou preparando orações, correntes, patuás, mandigas, isso não é ecumenismo, é desespero, outro ano como esse me mata, com certeza.
     Na verdade não posso dizer que foi de todo mal, já vivi muito pior inclusive, talvez eu tenha me acostumado a lamentar...melhor garantir o barco da Iemanjá, por via das dúvidas...

Um comentário:

Andréia Medrado disse...

Hello!

Sempre muito bem escrito e descrito...